Por Ana Spenciere
"A comida está controlando minha vida", foi o pensamento que levou Mariana a buscar ajuda profissional. Cinco enroladinhos de queijo, quatro coxinhas e quatro quibes (todos tamanho "G"), e Mariana comeria mais. Porém, os olhares da garçonete e a vergonha de continuar comendo naquela famosa lanchonete a fizeram pedir a conta e ir embora.
Já dentro do seu carro, sentiu um desejo incontrolável de comer mais. Pensou: "Eu mereço, tive um dia extremamente difícil na empresa" e, sem pensar mais, parou no drive-thru de uma rede de fast-food e pediu três promoções número um e dois sundaes. Enquanto seu pedido era preparado, Mariana pensava: "Que vergonha de mim mesma. Sei que é errado o que estou fazendo, mas não consigo parar. Definitivamente, a comida está controlando a minha vida".
O pedido chegou e Mariana mal conseguiu esperar chegar em casa. Parou seu carro no estacionamento da lanchonete e ali mesmo, em poucos minutos, comeu seu lanche. Comeu rápido. Comeu mais rápido do que o normal. O lanche acabou. A culpa se instalou.
"Falhei mais uma vez", ela pensou. "Sou um fracasso, nunca serei feliz."
Caras leitoras, Mariana não existe. Criei-a para exemplificar o que vem a ser um episódio de compulsão alimentar. Ainda que Mariana não seja real, episódios de compulsão alimentar existem e fazem parte da vida de muitas pessoas: estima-se que 1% a 4% da população total padece de um transtorno psiquiátrico chamado Transtorno de Compulsão Alimentar - TCA. O TCA tem por características episódios recorrentes de compulsão alimentar, ingestão de uma quantidade de alimentos muito superior ao que a maioria das pessoas comeria num mesmo período em circunstâncias semelhantes.
Para se ter uma ideia, em um único episódio compulsão alimentar, uma pessoa chega a ingerir até cinco mil calorias. Diferentemente de outros transtornos alimentares, como na bulimia nervosa, nos casos de TCA não há comportamentos compensatórios, ou seja, a pessoa não faz uso de laxantes ou vômitos após a ingestão alimentar disfuncional. A sensação de "perder o controle’’ diante da comida e não conseguir parar de comer pelo menos duas vezes por semana, em um período de seis meses, é um dos critérios para diagnosticar o TCA.
Cerca de 30% das pessoas obesas possui diagnóstico de TCA. Contudo, ser obeso não é uma condição para a existência do Transtorno, visto que existem pessoas magras que padecem da compulsão alimentar. Pessoas que possuem o TCA apresentam crenças negativas a respeito de seu peso, seu valor pessoal e sua alimentação e, por isso, vivenciam grande sofrimento.
É comum que esses indivíduos desenvolvam crenças do tipo "ser magro é indicativo de sucesso e felicidade", o que gera pensamentos dicotômicos de que "ou se tem controle total sobre a alimentação ou se é um fracasso". A partir desses pensamentos, uma mínima alteração na dieta significa "perda de controle", o que leva a pensamentos tais como: "se eu saí do controle, então posso comer o quanto quiser." (Vasques, Martins, & Azevedo 2004).
A compulsão alimentar pode ter origens na restrição alimentar, no caso dietas restritivas. É comum pacientes com TCA relatarem serem incapazes de manter uma dieta restritiva por muito tempo, o que aumenta a probabilidade de desenvolverem a compulsão. A compulsão alimentar pode ocorrer também quando há necessidade de um conforto emocional. Em situações de ansiedade, medo, estresse, tristeza e solidão, ela aparece como forma de anestesiar essas emoções, o que não funciona por muito tempo, pois o conforto emocional é rapidamente substituído pela culpa e pelo desconforto físico.
A essa altura, você talvez esteja questionando seu próprio comportamento alimentar e pode ser que esteja pensando: Será que eu tenho compulsão alimentar? Caso esse pensamento tenha vindo à sua mente, tente responder, criticamente, às seguintes perguntas:
1- Ingiro grande quantidade de alimento e não tenho controle sobre minha fome e sobre o que eu como?
2- Isso tem ocorrido pelo menos duas vezes por semana nos últimos seis meses?
3- Como sem estar com fome?
4-Como rápido demais?
5-Como até me sentir estufado?
6-Como sozinho por vergonha da quantidade que como?
7-Sinto culpa após comer?
8-Tenho sentimentos de angústia antes e após comer?
Avalie suas respostas e pense sobre seu comportamento alimentar. Caso tenha ficado incomodada com elas, converse com um profissional da área, que poderá ajudá-la a aliviar um sofrimento intenso. Mariana é uma personagem fictícia. Contudo, atendo e conheço pessoas cujas vidas são controladas pela comida. Apesar do quadro que descrevi parecer sombrio, quero finalizar este texto dizendo que há portas de saída da compulsão alimentar e a chave para uma delas está na psicoterapia comportamental cognitiva.
Fonte: Ludovica